O som e o sentido

A posse da imaterialidade
Quando a mídia começou a noticiar a “volta"dos LPs, que hoje chamam de “vinil”, ignorando (por ignorância mesmo) os formatos “long-play" e “compacto”, discos de 12 e 7 polegadas, respectivamente, passaram a entrevistar os nostálgicos na necessidadse moderna de ter uma justificativa para tal sandice, afinal TODO MUNDO havia deixado de lado os discos de vinil com o advento do Compact Disc. Já naqueles dias se perguntava qual era a atração do LP e, invalriavelmente se falava no tal do “ritual" de tirar o disco da capa, botar no prato, botar para rodar e “baixar a agulha”. Mas, mesmo depois do advento do streaming, muito poucos lembraram da “materialidade" do LP em relação ao streaming. Estou falando de estreaming porque é a fonte primária...
A minha caminhada pela música começou … pelos Beatles! Em 1963 ganhei de meu pai um toca-discos portátil e alguns discos, entre eles um compacto duplo (aqueles com 4 músicas) dos Beatles: com sete anos de idade fui imediatamente fisgada pela música deles. Em casa ouvíamos também música clássica, entre outras coisas que vinham através do rádio. Três anos depois passei a estudar música “séria”, na Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Ali se cultivava e, creio que ainda se cultiva, o ensino da música erudita “tradicional”, baseada no período da “prática comum”, que compreeende o período entre o baixo medievo até o final do século 19. Desta forma minha educação musical formal foi baseada na tradição do oeste europeu, no que eu ouvia...
Música repulsiva?
Não sei quanto a vocês mas, eu gosto de minerar informações sobre música, que é o que nos traz até este forum (suponho). Onde mais busco informações e matérias opinativas, é o Youtube. É curioso ver (e ouvir) uma série de videos onde, de uma maneira apocalíptica, declaram, na mais simples candura, o “fim" de uma série de estilos musicais, coisas como “o rock morreu”, “a múscica clássica morreu”, “o jazz morreu”, “o blues morreu”, “o pop morreu” e assim por diante. Mas o que mais me impressiona que não existe nenhum video propalando a morte do funk ou da música sertaneja. Não estou aqui para julgar esses “gêneros" mas são gêneros que não caem no meu gosto nem na minha apreciação estética. Talvez isso seja a rejeição do status quo que...
K7

K7

Depois de 50 anos de usar equipamentos de som (era assim que denominávamos o sistema, o “som”) conheci gente que dava mais atenção à qualidade do equipamento e outras menos ou nenhuma atenção, isso não é coisa dos dias de hoje. O desenvolvimento da indústria trouxe muitas comodidades para os usuários na medida em que foi facilitando o uso, foi dimuindo o número de botões no painel do equipamento. E esse desenvolvimento da indústria, ao se servir das tecnologias vigentes, acobou por eliminar muitos dos botões até eliminar (ou substituir) o próprio equipamento, reduzindo a uma das muitas funções do telefone celular (que deixou de ser canal de voz a muito). Dentre aqueles que têm, e usam o celular como “fonte" de música, existem ainda os...
Música para poucos
Talvez vocês pensem, “lá vem ele novamente com esse tema”… Mais uma vez, música erudita. Talvez porque eu não tenha com quem conversar sobre o assunto, desde que deixei a orquestra, perdi meus contatos nesse mundo da música clássica, eu parei de fazer música mas a música continua, ainda bem. Muito se critica a música erudita como sendo algo “elitista”, eu gostaria de discutir um pouco sobre isso. Quando se fala em “elitismo”, e isso não acontece somente com música clássica, estamos falando de “classes sociais” no sentido Marxista: essas “classes" manifestam a sua identidade ao satisfazer seus desejos publicamente, que pode ser a ostentação de “quem eu sou” ou simplesmente comer hamburguer porque se gosta, muito embora sabemos que é...
(Re)lendo o prefácio de “O retrato de Dorian Gray” fiquei mais uma vez pensando (isso às vezes acontece) no papel da música em termos de arte. Talvez isso possa parecer paradoxal mas, sabemos que nem toda música é uma expressão artística, assim como uma pintura de parede não pretende ser uma expressão gráfica de um Van Gogh. Mas voltando ao Oscar Wilde, a música é, em termos artísticos, a arte que apresenta a melhor “forma” e ainda, o artista pode expressar tudo (“The artist can express everything”). “Forma" é algo simples de entender, é a gramática da música, o arranjo de se construir uma sonata ou um poema sinfônico, vejam como a “expressão" musical e de linguagem estão entrelaçadas. Mas o que diferencia a “forma" da música erudita...
São numerosos os canais dedicados à música erudita (dita “clássica”) no Youtube e, alguns desses canais tratam do desinteresse crescente na música clássica. Sabemos que o maior fator é a educação ou, a falta dela. Mas eu vou um pouco adiante e penso que, apesar de “todo mundo” estar ouvindo mais música atualmente, graças às facilidades de acesso, via streamings e, à conveniência dada pelo acesso aos conteúdos da internet via telefone celular, ainda há quem não goste de música o suficiente para investir tempo com ela. Houve um tempo em que havia uma ideia romântica de que se a humanidade tivesse acesso livre e total à informação, isso nos tornaria “melhores”. Obviamente a possibilidade de acessarmos as informações e conteúdos depende da...
O Zen e a arte de ouvir música
Todos sabemos que a música “desperta" sentimentos e pensamentos que não sabemos ao certo de onde vieram. Aquela coisa se pegar sorrindo ao ouvir uma música. Como o processo é através do célebro obviamente a música toca memórias e vivências de várias maneiras, sejam memórias “completas" ou fragmentos que nos evocam imagens ou sensações. No campo das sensações o Proust nos ensina, no “Em busca do tempo perdido” (quem não leu ainda, leia, é uma leitura árdua porém dignificante), que todos os sentidos nos trazem lembranças, nos fazem recuperar “o tempo perdido” que, aparentemente, não foi perdido mas, esquecido. Me restringirei à audição e, audição de música. Assim como o paladar é ensinado e desenvolvido na medida em que a pessoa se...
Universos paralelos
Depois que um dos meus colegas boomer deixou de frequentar este fórum estou me percebendo falando com as paredes; e muitos aqui falam sem eu os compreender pois vivemos realidades diferentes, mesmo que no mesmo mundo sensível. Não é que não queiram responder minhas postagens, é que não sabem o que opinar pois são músicas que não fizeram parte da vida deles. Percebi isso lendo o tópico que abri, “Covers (os bons e os lamentáveis)”. Explico. Quando abri esse tópico imaginei que os covers seriam somente sobre os “clássicos”. Me parece que os “meus" clássicos não são os mesmos das gerações que vieram depois, naturalmente. Não todos, mas muitos covers que são postados eu não tenho a mínima ideia do que se trata e, também fico "sem palavras"...
Os audiófilos são uma espécie em extinção?
No forum do Steve Hoffman este assunto é debatido ou melhor, apresentado. Baseado num artigo do site HEADPHONESTY que prevê a extinção de 40% dos audiófilos "em breve" e não há quem os substituam. Os argumentos apresentados nesse artigo são, de certa forma, muito verdadeiros. Eu particularmente sei que assim que morrer meu sistema vai ser jogado no lixo, bem como meus discos e, não me venham pedir para o deixar de herança. Talvez a indústria consiga se adaptar às "novas gerações" e produtos bons a preços razoáveis venham à luz. Não sei, a audiofilia me parece com a caça à raposa: quem não nasceu caçando, demoniza a prática equiparando os caçadores a homicidas (até essa palavra já deve ter sido colocado no ostracismo). Hobbies são...
O ouvir
Neste exato momento estou a ouvir a sinfonia nº 12 do Shostakovich, intitulada “O ano de 1917”, lembrando dos inícios da “revolução" deles. Mas não estou aqui para falar da revolução russa mas do ouvir. Nossos dias têm sido conduzidos por um sentimento de urgência que me parece irreal. Talvez as causas dessa urgência esteja camuflada e as pessoas buscam alívio em lugares errados. O instinto irresistível de satisfazer nossos desejos se sobrepõe ante nossa capacidade de perceber o que nos impulsiona, somos cegados e completamente convencidos que “quando eu tiver um milhão de dólares, aí sim, vou ser feliz”. Essa fúria ensandecida da busca da felicidade talvez seja o maior obstáculo para “chegar lá”, obviamente um milhão de dólares não...
No próximo dia 7 de Maio, a sinfonia de número nove, em ré menor, de Beethoven estará completando 200 anos de sua primeira execução. Todos conhecemos (ao mesmo) os primeiros acordes do primeiro movimento da sinfonia de número cinco mas, a “Ode à alegria” do último movimento da “nona de Beethoven” é aclamada universalmente. Existe algo de esperança e bravura ao mesmo tempo nessa música. A genialidade do compositor é indiscutível e se mostra com toda a sua potência e intensidade nessa sinfonia. Como músico eu tive a graça de poder estar uma vez no coral ao interpretar essa sinfonia bem como na orquestra algumas outras (poucas) vezes. Nos aproximamos dela, seja como músicos, seja como ouvintes, com respeito e expectativa pois bem sabemos...
Talvez o nosso hobby seja um dos mais, se não o mais, incompreendido pelos outsiders (não me ocorreu uma palavra em português). Vivemos num país que ama carros e, quando alguém compra um Porsche ou uma Ferrari de um milhão de dólares, é parabenizado (ou invejado) pelos amigos mas, se compramos um phono cartridge de dez mil dólares, nossos amigos querem nos internar e a esposa nos demite por justa causa. Mondo cane. Isso sabemos e vivemos as dificuldades de escolher nosso sistema e fazer suas atualizações. Por mais que gostemos dos nossos sistemas, em última análise, é um produto de mercado e é tratado como tal pela indústria de áudio. E junto com isso vem a publicidade que nos interessa desde que venha com os specs do produto. O...
Para onde foram os velhos tempos?
Às vezes penso que as músicas novas carecem do apelo que o mercado não consegue entregar, a criatividade e inspiração não existem mais? Houve um tempo em que se acreditava que as dificuldades inspiravam boas músicas mas, vivemos “tempos difíceis” e o funk, o sertanejo e o rap grassam “nas ondas do radio”. Acho que me desencantei com a música a muito tempo, nada mais me comove, meus ouvidos endureceram. Me alimento do passado, os discos da minha adolescência, muitos discos originais e outras tantas “edições comemorativas”, aniversários de 20, 30, 40, 50 anos do lançamento de um álbum que se elevou ao nível de “clássico”. Se as diversas expressões artísticas são calcadas na realidade, nossa realidade está pior que a percebemos. Outro dia...
Música "programática" e música “absoluta”
Num outro post deste WebLog comentei alguns pontos de como se aproximar da música erudita sem medo de ser feliz. Quero tratar agora do que se chama de “música programática” (ou “música de programa” ou “música descritiva") em contraposição à “música absoluta”. Vou utilizar aqui o termo “música descritiva” pois sua definição é direta: é a música que, ao ser ouvida, “descreve” ou sugere em nossas mentes uma cena, uma ação. Ela é sempre puramente instrumental (os cínicos diriam "estrumental"). Já a “música absoluta” é a música também instrumental que, é escrita com a intenção de não descrever nada, a música por ela mesma, a arte pela arte (“ars gratia ars”). Música descritiva é algo fácil de identificar, muitas vezes até pelo próprio...
Como "apreciar" música erudita
Adorno rejeitava o termo “apreciação musical” pois julgava ser algo superficial, preferia “compreensão” - era de se esperar de um discípulo de Alban Berg. De maneira geral a música erudita é vista, ou melhor, ouvida com muita desconfiança; muitos a ouvem porque julgam ser algo sofisticado e inteligente e buscam nela uma satisfação narcisista, se assim pode-se dizer, uma espécie de "ostentação intelectual". Isso me parece o mesmo que muitos vegetarianos o são para serem reconhecidos como pessoas politicamente corretas, se é que existe alguma outra motivação neste comportamento (talvez elas se sintam superiores aos primitivos carnívoros). Outro público da música erudita é composto dos que, por não gostarem dela, procuram uma forma mais...
O som e o ruído
Foi o André Gide que nos disse que "não há ruído, mas sons". Ou algo semelhante. Num dos capítulos do seriado, de década de 1960, "Perdidos no espaço", ouve-se um estrondo e perguntam ao robô o que era aquilo ao que ele responde: "Um som". Por outro lado, quando Edgar Varèse foi questionado sobre às suas obras ele disse que aquilo era "ruído organizado". Entre o filósofo, o robô e o músico, fico com o músico (que é um filósofo delirante). Quando Varèse se refere à sua música como "ruído" ele está se referindo, obviamente, a sons alheios às escalas musicais do uso comum. A percepção de um acorde consonante vai ser modificada de acordo com a maneira que as notas, tocadas ao mesmo tempo, nos é apresentada: se são tocadas num volume...
Música (dita) eletrônica
Comumente quando se fala em “música eletrônica”, logo se pensa em música de casas noturnas modernosas que praticam “discotecagem" produzidas por indivíduos que são chamados de DJs, que não sei se são os mesmo disc-jockeys do meu passado neolítico uma vez que nunca frequentei tais “boates" como eram chamadas as casas de “balada" quando eu era mais (bem mais) jovem. Desta forma não posso opinar sobre essa produção que imagino sirva unicamente pra dançar (além da não nadar e não pilotar helicópteros, essa é uma outra inabilidade minha). Isso posto fica claro que não é sobre esse tipo de “música" que vou comentar. É o “ramo" da dita “ambient music”, aquilo que foi “inventada" pelo Brian Eno. Eu digo “inventada" e não “composta" porque...
Música na ponta dos dedos, às vezes na ponta da língua: JIMI HENDRIX
Não vejo muito as pessoas ouvindo Jimi Hendrix “nos dias de hoje”… Tenho muita certeza que muitos daqueles com quem convivo nunca o ouviram e, se ouvirem, não vão gostar. Retifico, não vão entender. Existem músicas que têm um densidade tal que se não for dada a devida atenção, não podem ser devidamente apreciadas. Isso acontece também com a literatura, o Guimarães Rosa tem, no seu “Tutameia”, um índice de releitura pois ele sabia que a coisa não seria apreendida numa primeira leitura … Mas isso todo mundo sabe, já o Hendrix ainda é um mistério para muitos. Felizmente temos muito material disponível no Youtube, nunca o acesso à “tudo" foi tão fácil, minha geração que o diga. Há quem diga que ele tocava assim para que ninguém mais pudesse...
Papa Zappa
A guitarra do Zappa é alucinante. Não conheço todos os guitarristas do mundo mas ele é muito, muito bom. A princípio a transgressão de sua música me atraiu, depois a construção, a arquitetura, depois a leveza do simples dizer o que ele estava a pensar e, por último, a guitarra. Minha geração é a geração da guitarra, claro que foi o Clapton quem primeiramente me chamou a atenção, blues é algo intuitivo, natural. Depois o visceralismo do Hendrix, os melismas do Gilmour (hoje dizem “licks”), a precisão do Fripp, a revelação do Page, o misticismo do McLaughlin a criatividade do Howe, o swing do Santana descobri, por último, o delírio do Zappa. Estes são os meus guitarristas favoritos. A música do Zappa pode não ser para todos mas os solos...
Back
Top